Por séculos, os humanos estudaram a posição e o movimento dos astros, especulando sobre sua organização e sua natureza, com o auxílio somente de seus olhos e de instrumentos que serviam como pontos de referência para as posições celestes. No início do século 17, essa situação estava prestes a mudar radicalmente. Em 1609, o físico e astrônomo italiano Galileu Galilei (1564-1642) – nessa época, catedrático de matemática na Universidade de Pádua – realizou, pela primeira vez, observações astronômicas com o auxílio de um telescópio (que ele batizou perspicillum) e registrou suas descobertas nos meses e anos que se seguiram.
Estava iniciada uma revolução que se estende aos dias de hoje: a era da astronomia impulsionada por instrumentos astronômicos.
Neste ano, em que comemoramos 400 anos desse importante feito científico e tecnológico de Galileu, é impossível separar as grandes descobertas astronômicas do desenvolvimento de telescópios e instrumentos, que têm sido nossos olhos para investigar desde os planetas vizinhos até quasares, corpos celestes que habitam os limites do universo observável.
Mas, de mesma forma que se aprofundam nosso conhecimento sobre o universo e se amplia nosso horizonte de pesquisa, aumenta também a necessidade de enxergar objetos mais fracos e mais distantes, com mais detalhes. E, por isso, os países do mundo se unem em parceiras para construir equipamentos cada vez mais complexos e surpreendentes.
Fotografia em cena
Como olho humano foi a principal ferramenta de registro das observações astronômicas desde seu início até a metade do século 19, não é surpresa que os maiores desenvolvimentos tenham sido em telescópios ópticos.
Por volta de 1670, o físico inglês Isaac Newton (1643-1727) construiu um telescópio de 10 cm de diâmetro, usando o principio de reflexão em espelhos, para observar a imagem, em uma montagem que até hoje leva seu nome. A partir daí, iniciou-se uma corrida pela construção de espelhos cada vez maiores e melhores, possibilitando dois séculos de incríveis avanços na astronomia.
Na década de 1840, pouco depois das primeiras demonstrações públicas da fotografia na França, astrônomos ingleses e franceses testavam a fotografia astronômica, com câmaras acopladas aos telescópios. Desse momento em diante, o olho humano estava aposentado como ferramenta científica em astronomia, sendo então substituído por equipamentos que registravam e variações do brilho dos objetos celestes com muito mais eficiência e precisão.
Prisma, lentes e anteparo
A fotografia foi aposentada na astronomia nas décadas de 1970 e 1980. Atualmente, a instrumentação periférica acoplada aos telescópios e os sensores eletrônicos, como os detectores ópticos CCD e detectores de infravermelho, são tão importantes quanto os telescópios em si e recebem a mesma atenção (às vezes, até mais) que a construção e o planejamento destes últimos. Com câmaras digitais e equipamentos para medir propriedades da radiação eletromagnética (fotômetros e espectrógrafos), os astrônomos retiram o máximo de informação da luz vinda dos objetos cósmicos.
Para termos uma ideia da complexidade dos instrumentos astronômicos em construção e em planejamento hoje, o espectrógrafo construído em 1814, pelo alemão Joseph von Fraunhofer (1787-1826), utilizado para estudar propriedades da luz solar (chamadas linhas escuras do espectro solar), continha um pequeno prisma de vidro, algumas lentes e um anteparo onde a imagem era vista. Neste início de século, o espectrógrafo WFMOS (sigla, em inglês, para Espectrógrafo Multiobjeto de Campo Amplo), planejado em conjunto pelos observatórios Gemini e Subaru, vai poder observar 2,4 mil objetos simultaneamente. Isso será feito por meio de cabos de fibras ópticas de 60 m de comprimento, planejados pela equipe do Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), do Ministério da Ciência e Tecnologia (ver ‘Instrumentação verde-amarela’). Esse sistema levará a luz a dois espectrógrafos com dezenas de elementos ópticos e milhares de partes mecânicas. O projeto terá um custo aproximado de US$ 50 milhões (cerca de R$ 120 milhões), praticamente a metade do custo de cada telescópio de 8 m, como o Gemini ou o Subaru.
Os Gigantes dos Espelhos
A corrida pela construção de espelhos cada vez maiores e mais sofisticados culminou na classe de telescópio de 8m a 11m em operação hoje, como os dois telescópios Gemini, de 8m cada (dos quais o Brasil é parceiro, sendo que um deles fica no Havaí e outro no Chile); os dois telescópio Keck, de 10m de diâmetro cada (com espelhos segmentados), no Havaí (Estados Unidos); os quatro telescópios do VLT do observatório Meridional Europeu (ESO), com 8m cada; o Telescópio Hobby-Eberly, de 11m; o Grande Telescópio Sul-Africano, também de 11m; e o telescópio Subaru (8m), também no Havaí.
O que é o Telescópio SOAR - (SOuthern Astrophysical Research Telescope)?
O telescópio tem abertura de 4,2 metros, projetado para produzir imagens de qualidade melhor que as de qualquer outro observatório do mundo em sua categoria.
Foi financiado por um consórcio com os seguintes parceiros: Brasil (representado pelo CNPq), o National Optical Astronomy Observatory (NOAO), a Universidade da Carolina do Norte (UNC) e a Universidade Estadual de Michigan (MSU). O SOAR estará sendo inaugurado em 17 de abril e deverá iniciar a operação de coleta de dados cientícos de rotina no segundo semestre de 2004.
Está situado em Cerro Pachón, uma montanha dos Andes Chilenos com altitude de 2.700 metros acima do nível do mar. O telescópio e sua cúpula esférica branca estão localizados a algumas centenas de metros do seu vizinho, o telescópio Gemini Sul com espelho de 8,1 metros de diâmetro, de onde pode-se avistar Observatório de Cerro Tololo.
O Brasil já participa de outro consórcio internacional, o Observatório Gemini atualmente em operação. Foram construídos telescópios gêmeos de 8,1 metros de diâmetro cujas instalações se localizam nos Andes Chilenos e no Havaí. O número de noites a serem utilizadas nestes telescópios é proporcional à parcela de contribuição de cada participante na construção/ operação, cabendo ao Brasil 8 noites em cada telescópio. Estes instrumentos permitem observações de alta qualidade, mas apenas alguns projetos podem ser contemplados com esse tempo, escolhidos dentre a grande demanda existente. O Brasil conta com alguns telescópios de 60 centímetros e um telescópio de 1,6 metros em território nacional, que vem atendendo a comunidade astronômica brasileira desde 1980, mas que não são adequados para muitos dos projetos observacionais de interesse de nossos pesquisadores e alunos de pós-graduação, e que sofrem de excesso de demanda a vários anos . A Astronomia Brasileira vem crescendo continuamente a uma taxa de cerca de 10% ao ano e há a necessidade urgente de expansão, através da criação de novos grupos de pesquisa no país, a serem liderados pelos pesquisadores ora em formação e que receberão vigoroso impulso com a concretização do SOAR . O Telescópio SOAR certamente preencherá a lacuna existente entre o telescópio de 1,6 metros, que se localiza em Brazópolis/MG no Pico dos Dias e os telescópios Gemini, suprindo a comunidade com um instrumento de porte intermediário extremamente versátil, rápido, de ótica soberba e localizado em local privilegiado.
Telescópio Gigante Magalhães
Concepção artística
Mais imagens no link: http://www.lna.br/soar/fotos_hist.html